
Webcam Models??*
É assustador constatar como se banaliza o corpo das mulheres, ao ponto de se distribuírem flyers desdobráveis para que as raparigas se tornem “webcam models”, com imagens de uma modelo sorridente e um esquema de perguntas e respostas onde se podem ler promessas de 60% dos lucros obtidos com a sua “performance”, lucros esses que podem variar entre 10.000 a 50.000 dólares por mês, consoante o tempo que dedicarem à atividade e à vontade de se despirem, ou não, o que – alerta o flyer – não é obrigatório, mas que as ajudará a ‘render’ mais. A empresa diz que a pessoa que se quiser tornar modelo pode trabalhar as horas que quiser e onde quiser, tendo total liberdade de horários, sendo apenas necessário um computador e acesso à internet!
Contudo, a empresa não explica como se aferem os 60% dos lucros obtidos, nem acautela as gravações que o consumidor, do outro lado do ecrã, pode vir a fazer da “webcam model”, pois o mesmo, caso queira, pode gravar as sessões para fazer uso delas mais tarde, sabe-se lá onde e com que finalidade!
Aberto o link da empresa em causa [1] podemos imaginar o que se vê. Apenas mulheres muito jovens, algumas com toda a certeza menores de idade, a exibirem-se num pequeno ecrã, aguardando que alguém o abra para as consumir.
De facto – no contexto mundial e cibernético em que vivemos, de elevado consumismo, onde demasiadas mulheres e raparigas enfrentam a discriminação, a pobreza, a objetificação natural do seu corpo e a violência – o “consentimento voluntário” pode ser algo facilmente comprável ou ludibriável. Como impedir que se aproveitem disso? Sabemos que qualquer menina se sentirá atraída pela promessa de vir a ser uma ‘webcam model’, pela forma glamorosa (leia-se enganosa) como esta publicidade é feita. E que, em tempos de crise, é realmente fácil dizer que este tipo de atividades até podem ser uma solução para ajudar a reduzir as taxas de desemprego. Mas será este o caminho para chegar ao tão desejado empoderamento das mulheres?
Por oposição à mulher, é o género masculino que consome e controla a indústria do sexo. Assim, acaso se venha a regulamentar a prostituição, temos de começar a pensar em campanhas para elevar também os homens a “webcam models”, pois estão altamente sub-representados, já que nos websites em causa, apenas se inscrevem mulheres e transexuais. Desta forma, tal como existem quotas para mulheres no mundo político e empresarial, deveria incluir-se, na luta pela igualdade de género, também quotas de homens para mundo do trabalho sexual. Nessa altura, esta empresa teria de começar a distribuir flyers com um rapaz sorridente na capa e as mulheres deviam então começar a ser promovidas a empresárias do sexo, controlando também elas esta indústria. É isto que significa a igualdade de género!?
A mim assusta-me que raparigas novas, não se apercebendo do que estão a fazer, possam ver o seu futuro comprometido por se inscreverem num website deste género. E não é uma questão de moralismo! É que a internet, ao ser usada desta forma, mostra como tão facilmente se conseguem difundir imagens e vídeos, em massa, de uma rapariga que apenas queria ficar confinada àquela “webcam”. Sem qualquer controle da sua parte. E já nem falo do controle dos lucros!
Há quem diga que, para existir liberdade sexual, tem de ser possível existir a prostituição e a pornografia.
E quem não gosta de sexo, e de ser livre de o fazer?
Causa-me alguma confusão relacionar a liberdade sexual com a compra de um ato sexual. Poder comprar ou vender sexo não significa, necessariamente, ser livre sexualmente. Se a liberdade sexual é entendida como o “poder de desfrutar de saúde e direitos sexuais em igualdade e livre de qualquer discriminação”[2], tal só se atinge quando a sexualidade não for comprada. Se eu compro, é pelo dinheiro que a relação sexual existe. O ato acontece porque eu o paguei e não porque ele aconteceu de forma natural e espontânea, sendo que o mesmo tem de acontecer ainda que o/a prestador/a do serviço sexual, naquele dia, nem se sinta para aí virado/a. Por outro lado, quem compra nunca está na mesma posição de quem vende – quem compra tem normalmente mais poder! Por isso é que considero que a liberdade sexual não deve ser usada como argumento para que este tipo de publicidade seja feita desta forma (ainda para mais… enganosa).
É muito difícil ter uma opinião formada sobre este tema tão fraturante e complexo, mas uma coisa é certa: não deveriam existir limites para este tipo de propaganda?
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[1] Ver em myfreecams
[2] Descrição de Liberdade sexual pela Organização Mundial de Saúde.