
Jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre Lenocínio
“(…) Estudos sobre prostituição (cf. os estudos citados por CATHERINNE MACKINNON, Sex Equality, University Case Book Series, New York, Foundation Press, 2001, pp. 1412-1413) demonstram que cerca de 75% a 90% das mulheres prostituídas foram vítimas de agressões físicas ou abuso sexual na infância, no seio da sua própria família e a maioria das pessoas prostituídas, de ambos os sexos, foi iniciada na prostituição por terceiros quando era menor de idade, havendo prova empírica suficiente de que a vitimação por abuso sexual na infância ou na adolescência contribuiu, de forma significativa, para a sua entrada na prostituição. Aproximadamente 90% das mulheres inquiridas indicou que gostava de deixar a prostituição mas que tinha medo de ser rejeitada e de não ter emprego (cf. «Streetwork Outreach with Adult Female Prostitutes, Final Report», 1987, apud Catherine Mackinnon, ob. cit., p. 1411). Um outro estudo revelou que 62% das mulheres na prostituição relataram terem sido vítimas de violação e 68% apresentam sintomas de stress pós-traumático tal como as vítimas de tortura (Farley, M. et al., « Prostitution and Trafficking in Nine Countries: An Update on Violence and Posttraumatic Stress Disorder», Journal of Trauma Practice, Vol. 2, No. 3/4, 2003, pp. 33-74), sendo consensual entre os estudos feitos o elevado risco de violência e de morte das mulheres prostituídas (cf. Sexual exploitation and its impact on gender equality, European Parliament, 2014, disponível para consulta in http://www.europarl.europa.eu/RegData/etudes/etudes/join/2014
/493040/IPOL-FEMM_ET(2014)493040_EN.pdf).
Por outro lado, o fenómeno da prostituição, nas últimas décadas, passou a estar ligado ao tráfico de mulheres e de meninas para exploração sexual, um dos negócios mais rentáveis do mundo e que criou a chamada “escravatura” dos tempos modernos, sendo a linha de fronteira entre serviços sexuais prestados com consentimento e prostituição forçada ténue e muito difícil de provar. A prostituição é hoje considerada uma forma de violência contra as mulheres integrada no conceito de violência de género, que atinge de forma desproporcionada as mulheres só pelo facto de o serem (Lobby Europeu de Mulheres, Resolução do Parlamento Europeu, de 5 de abril de 2011). Para além destas considerações, a prostituição é uma instituição patriarcal que promove na sociedade a ideia de que o dinheiro permite aos homens o uso do corpo das mulheres como objeto sexual, propriedade dos homens, constituindo uma violação da dignidade humana de todas as mulheres e um obstáculo à construção de uma sociedade baseada na igualdade de género, tarefa fundamental do Estado imposta constitucionalmente no artigo 9.º, alínea h), da CRP.
A incriminação das condutas previstas no artigo 169.º, n.º 1, da CRP corresponde, neste contexto, a uma opção de política criminal justificada pela normal associação entre as condutas que são designadas como lenocínio e a exploração da necessidade económica e social das pessoas prostituídas, que dependem desta atividade para sobreviverem, surgindo a prostituição, em regra, não como uma escolha sua baseada na liberdade e na autonomia, mas como a continuidade do seu percurso de abandono, pobreza e vitimação por abuso sexual na infância.
Sendo assim, os fundamentos acolhidos nos aludidos Acórdãos mantêm-se válidos, sendo de concluir no presente recurso, de igual modo, pela legitimação material da norma incriminadora constante do artigo 169.º, n.º 1, do Código Penal, à luz do princípio da proporcionalidade.
Em face do exposto, reafirmando a jurisprudência proferida sobre a matéria, não se pode considerar que o princípio da proporcionalidade, ínsito no artigo 18.º, n.º 2, seja violado pela norma em crise, nem quaisquer outros princípios ou normas constitucionais.”
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